Existem dois orifícios em minha atmosfera de delírios noturnos. Um vem do lado esquerdo do meu corpo, onde ficam as minhas maiores satisfações últimas. O outro, acima dos meus olhos, meio verdes e meio azuis, de vez em quando castanhos. Ambos, entretanto, me preenchem o estado único de prazer infiel, estranho, capaz de me entorpecer sempre em delírios noturnos, atrás de silêncios e infinitas projeções de desespero.
Agora mesmo, quando passo a mão na minha alma, solta no vento, indo e voltando no meu corpo, percebo o quão arriscado são essas sensações, identificadas apenas quando permito-me viver um pouco mais além da conta de dois goles de álcool.
Nasci perto do escuro, perto da afortunada resistência de um destino de semanas. Por isso aprendi a criar regras e imposições apenas minhas, soltas, calmas, fiéis ao meu desespero de viver a lacuna dos outros. No outono isso se acentua mais porque vigora, na nitidez, lágrimas de anos de solidão incompleta.
Mas não percebo a minha insensatez como tudo isso. Acordo sempre, respiro sempre, transmito palavras sempre, levanto-me sempre, não noto que sou tão forte e mais rápido do que minha própria condenação. Sou a borboleta azul de mar azul, que quando quer permite-se morrer cantando, voltando no seu tempo.
A utopia, as decisões nulas, o escuro, a luz dos dentes brancos, o aperto de mão e o pão amanhecido permitem isso, me deixam viajar enquanto meus pés pulam do chão. Hoje mesmo por quatro a cinco minutos me dei forma e coesão nesse mundão que gira em torno do meu abismo profundo.
A loucura é o meu prazer indissociável, é meu atributo espacial, de tempo, forma e movimento. A loucura é a minha transmutação entre o além e a bravura de me perceber assim, por entre insanidades e satisfação.
Rafa Silvestre
Rafa Silvestre
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