Sou
mulher!
E a
fortaleza primária, secundária e terciária, está no homem? Hoje terminei o dia
sorrindo, alegre, a abraçar o céu e a conversar feliz com a lua. Mas, na
ingratidão contumaz de uma condição imposta antes mesmo do senhor das minhas
preces, passei as últimas horas provando que estou e sou presente nesse mundo,
que sou e vou continuar a bater de frente com qualquer improviso e
insatisfação.
E se
deram as horas que começaram cedo. Arrancou-me da cama, como se para nascer em
mais um dia fosse preciso estar acordada também. Entre tapas e arranhões, bati
com a mão na mesa e fiz-me notar pela última vez. Tua alma descabida não mais
possuía apreço, muito menos no verão e outono dos últimos 30 anos. Tua alegria
me fazia sabor amargo na boca e me fazia também entupir veias do coração com
pedaços de infelicidade e desgosto. Nessa manhã, meu caro, chute no vácuo e um
a Deus, difícil, mas de solução para tudo isso. Fique com o seu par de
cachaças, nosso álbum de fotos e a imagem da libertação de uma mulher.
Sai.
Fui-me pela rua, com rumo certo pelo horizonte em definição. Uma angustia doida
que, ao deleite das lágrimas, a fazia secar no futuro que se construía nos
passos dados descalços. Estava suja, com chinelos comidos muitas vezes pelas
raivas passadas. Mas sentia que trocara aquele espaço de humilhação pela
alegria de chão tranquilo. Tinha motivos.
Sem
fim esse meu rumo. Olhei para trás apenas duas vezes. Uma para saber se estava
mesmo vivendo e a outra por acreditar que havia perdido meu maço de cigarros.
Um a um fui consumindo, em tragadas profundas que me balançavam como tormentas.
Quando em mim me encontrava, outra mais forte puxava para dentro as mais
dolorosas lembranças.
Das
7h30 às 23h só deitei uma vez, em folhas soltas de um campo de flores rasteiras
que encontrei pelo caminho. Sou mulher, sou a primazia dos destinos, sou
torneira a cultivar a vida. Não sou esmola e ferida, não sou fartura e nem
comida. Sou mulher e estar assim me mostrava que havia vencido o medo, vencido
o beco de infortúnios.
No
travar da noite escura, cheguei à beira do meu adorável precipício. Fácil, ali
coloquei meus pés cansados a brincar no ar gelado, mais uma vez. Deitei e no
céu reencontrei um sinal de vida, o que sempre me ajudava nesses momentos. Um
sinal de que o melhor dos mundos está dentro de nós, em nós desatados uma vez
na vida. Minha vez era essa. E foi assim. Hoje terminei o dia sorrindo, alegre,
a abraçar o céu e a conversar feliz com a lua.